O que a centesimus annus realmente ensina?

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O título deste artigo, “O que a centesimus annus realmente ensina,” parece implicar que possa haver alguma disputa acerca dos ensinamentos da encíclica Centesimus Annus, a última das três encíclicas sociais escrita pelo nosso Santo Padre, Papa João Paulo II. E isso é correto. Para quando a Centesimus foi lançada em 1991 ela gerou uma pouco usual quantidade de discussões. De fato, certos comentaristas chamaram-na de ruptura radical na centenária tradição da moderna doutrina social Católica, a tradição começou em 1891 com o Papa Leão XIII e sua encíclica Rerum Novarum. Para ver o que I quero dizer, vamos dar uma olhada no que alguns desses comentaristas disseram.Peter L. Berger escreveu:

PELA PRIMEIRA VEZ NA HISTÓRIA DA DOUTRINA SOCIAL CATÓLICA, HÁ AQUI UMA ENFÁTICA E ELABORADA APROVAÇÃO DA ECONOMIA DE MERCADO COMO O O MELHOR ARRANJO ECONÔMICO NO MUNDO DE HOJE.

E Kenneth Craycraft opinou:

PELA PRIMEIRA VEZ NA HISTÓRIA, UM PAPA EXPLICITAMENTE ENDOSSOU O LIVRE MERCADO COMO “SISTEMA SOCIAL VITORIOSO” NO MUNDO, E COMO O TIPO DE ECONOMIA QUE DEVE SE PROPOSTO EM TODOS OS LUGARES, ESPECIALMENTE O TERCEIRO MUNDO.

Enquanto Michael Novak citou:

O PAPA JOÃO PAULO II TROUXE LIBERDADE ECONÔMICA… A DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA...

E finalmente, Fr. Robert Sirico:

A CENTESIMUS ANNUS REPRESENTA O COMEÇO DO AFASTAMENTO DA VISÃO DE MUNDO DA ECONOMIA DE SOMA ZERO QUE LIDEROU A IGREJA A SUSPEITAR DO CAPITALISMO E ARGUMENTAR POR REDISTRIBUIÇÃO DE RIQUEZA COMO A ÚNICA RESPOSTA MORAL A POBREZA.

Claramente estes autores veem a Centesimus como um tipo de divisor de águas na Doutrina Social da Igreja. Mas, deixando de lado a questão de se a noção católica de desenvolvimento da doutrina permitiria mesmo tal mudança drástica no seu ensinamento, Eu não penso que o texto da Centesimus Annus apoie estas assertivas. Argumentarei dois pontos nesse artigo: 1) que a interpretação da Centesimus é particularmente difícil, mas que 2) o ensinamento, tomado como um todo, está em linha com a doutrina de Leão XIII, Pio XI, Pio XII, Paulo VI e outros papas cujos proponentes Católicos de um livre mercado não são muito afeiçoados geralmente.Deixe me iniciar com minha primeira assertiva: A Centesimus is difícil de entender eu argumentaria que isto é assim por duas razões: Primeiro, A Centesimus ás vezes parecer ser contraditória com sigo mesma. Um escritor pergunta se a Centesimus é “uma encíclica em conflito consigo mesma” e um outro a caracteriza como sendo "esquizoide”. não é difícil encontrar passagens na Centesimus que pareçam contradizer uma a outra. Mas claramente, desde que João Paulo não é burro, nós precisamos assumir que ele sabia o que ele estava fazendo quando ele colocou essas passagens nela, e logo, nós precisamos procurar entender o ensinamento da Centesimus Annus num nível mais fundamental ou geral. E eu creio que isso pode ser feito.A segunda rasão de porque eu penso que a Centesimus é difícil de interpretar é porque, ao contrário da maioria das encíclicas, João Paulo citou explicitamente que nem tudo nela é para ser considerada como o ensinamento do magistério da Igreja. Na seção 3 nós lemos:

A PRESENTE ENCÍCLICA BUSCA MOSTRAR A FRUTIFICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS ENUNCIADOS POR LEÃO XIII, QUE PERTENCEM AO PATRIMÔNIO DOUTRINAL DA IGREJA E, COMO TAL, ENVOLVEM O EXERCÍCIO DA SUA AUTORIDADE DE ENSINAR. MAS AS SOLICITUDE PASTORAL TAMBÉM ME IMPELE A PROPOR UMA ANÁLISE DE ALGUNS EVENTOS NA HISTÓRIA RECENTE… DE TODA FORMA, TAL ANÁLISE NÃO PRETENDE PASSAR JULGAMENTOS DEFINITIVOS, DESDE QUE ISSO NÃO CAIA PER SE DENTRO DO DOMÍNIO ESPECÍFICO DO MAGISTÉRIO.

Infelizmente, o santo padre nunca disse que passagens da encíclica caem nesta última categoria, isso é, quais são parte das “analíses de alguns eventos da história recente” e que não são parte do ensino do magistério. Mas eu não penso que isso seja fatal aos nossos esforços em entender a Centesimus, contanto que nós apliquemos uma abordagem ampla na nossa interpretação. Então, por ambas as razões que eu mencionei, isso seria um erro ao publicar qualquer passagem demais, especialmente uma passagem tirada do seu contexto ou uma passagem que pareça estar em desacordo com os ensinamentos papais anteriores. Nós precisamos tentar entender os ensinamentos da encíclica como um todo.Minha segunda assertiva é que o ensinamento dessa encíclica está em consonância com ensinamentos papais anteriores sobre a ordem social. E de fato, é fácil encontrar paralelos á maioria dos conteúdos da Centesimus em ensinamentos papais anteriores, isso é verdadeiro nas maioria das vezes, contendo uma enfase diferente mas os mesmos significados. Mas ao invés de mostrar como a maioria dos alegadamente revolucionários ensinamentos da Centesimus estão de fato em total acordo com a doutrina anterior, eu quero proceder de uma maneira diferente e me concentrar naquilo que parece para mim o coração da questão, o que nós podemos chamar de a logica ou a essência da Doutrina Social da Igreja, uma logica que está totalmente confirmada pela Centesimus, e que contradita a lógica do livre mercado.As citações que eu dei acima indicam a crença espalhada que João Paulo II teve uma atitude diferente em relação ao sistema econômico do livre mercado em comparação ao que teve seus predecessores. Em sim mesmo, é claro, isso nos põe a perguntar, se João Paulo pode mudar o que papas anteriores ensinaram sobre tão importante matéria, e o que previne papas no futuro de mudar o que João Paulo II ensina? Mas o ponto importante é olhar para o que eu chamei de a lógica do livre mercado e ver como ela se compara com a lógica da Doutrina Social da Igreja Católica, incluindo a doutrina da Centesimus Annus. A lógica do liberalismo econômico eu penso que alguém poderia citar como sendo algo mais ou menos assim:Os fatores econômicos básicos e mais importantes em uma sociedade, fatores como preços, salários, taxas de juros, taxas de câmbio, etc. devem ser definidos simplesmente por dar e receber influências nas relações de mercado, com idealmente nenhuma interferência por parte do governo ou de qualquer outro poder. E se for necessário o governo intervir ocasionalmente nessas trocas, isso deve ser feito pelo menor tempo possível. Organizações tais como sindicatos, nesta visão, também distorcem os processos naturais de mercado, inflando artificialmente o preço do trabalho. Se ao mercado é permitido fixar estas várias taxas, é portanto, sustentando se que isso levará a prosperidade de toda a sociedade. Há aqui uma básica confiança no trabalhar das forças de mercado e no sentimento que no setor econômico, este é o melhor e mais seguro caminho de regular as coisas. Nessa visão, então, será sempre ou quase sempre, um oxímoro falar em guiar ou orientar o mercado em direção ao bem comum, uma vez que por definição, o mercado sempre tende ao bem comum.A este ponto de vista o Magistério da Igreja Católica é definitivamente contrária. Antes de olharmos aos ensinamentos da Centesimus Annus, eu irei discutir algumas das mais importantes instâncias disso em ensinamentos papais anteriores, em ordem de demonstrar essa consistente duradoura oposição. Em Rerum Novarum, Leão XIII pontuou que o trabalho de um homem tem que ser recompensado a partir de dois pontos de vista, pessoal e necessário. De toda forma como seu trabalho é pessoal, ele tem o direito de trabalhar por qualquer salário ou por nenhum salário (e.g.: trabalho voluntário), mas ainda, como trabalhar é necessário, isso é, de toda forma como ele depende disso pra sua sobrevivência, “cada um tem o direito a receber o que é necessário pra viver”.[note]RN, no. 34.[/note] E então ele faz a pontuação que é um ataque certeiro no coração da posição de livre mercado: “... há o ditar da natureza mais imperioso e mais antigo do que qualquer negociação entre um homem e outro, que a remuneração deve ser suficiente para oferecer ao assalariado um bom padrão de vida”.[note]Ibid., no. 34.[/note] E ele continua adiante e diz que se o trabalhador é forçado a aceitar menos do que precisa pra viver bem, “ele é vítima de coerção e injustiça”.[note]Ibid.[/note] Estas assertivas voam em face da ideia, sustentada pelos proponentes do liberalismo econômico, que as forças dos mercados são o melhor caminho pra chegarmos a justiça salarial. Mas Leão XIII ensinou de outra forma e o ensinamento de Leão tem sido repetido até o presente e figura proeminentemente na Centesimus, como nós veremos.A segunda instância que eu mostrarei dos ensinamentos prévios da Doutrina Social da Igreja (doravante, DSI) está na direta citação de Pio XI, na encíclica Quadragesimo Anno (1931):

ASSIM COMO A UNIDADE DA SOCIEDADE HUMANA NÃO PODE SER CONSTRUÍDA SOBRE O CONCEITO DE "LUTA DE CLASSES", ENTÃO A ORDEM ECONÔMICA MAIS APROPRIADA NÃO PODE SER DEIXADA AO LIVRE JOGO DA COMPETIÇÃO. DESSA FONTE, COMO DE UMA FONTE POLUÍDA, PROCEDERAM-SE TODOS OS ERROS DA ESCOLA INDIVIDUALISTA. ESTA ESCOLA, ESQUECIDA OU IGNORANTE QUANTO AOS ASPECTOS MORAIS E SOCIAIS DAS ATIVIDADES ECONÔMICAS, CONSIDERADAS ESTAS COMO COMPLETAMENTE LIVRE E IMUNE DE QUALQUER INTERVENÇÃO DA AUTORIDADE PÚBLICA, PARA ELES, HAVERIA NO MERCADO DE COMPETIÇÃO DESREGULADA UM PRINCÍPIO DE AUTO-DIREÇÃO MAIS ADEQUADO PARA GUIÁ-LOS DO QUE EM QUALQUER INTELECTO CRIADO QUE PUDESSE INTERVIR. LIVRE COMPETIÇÃO, SEJA COMO FOR, EMBORA JUSTIFICADA E ÚTIL DENTRO DE CERTOS LIMITES, NÃO PODE SER UM PRINCÍPIO DE CONTROLE ADEQUADO NOS ASSUNTOS ECONÔMICOS. ISSO TEM SIDO ABUNDANTEMENTE PROVADO PELAS CONSEQUENCIAS QUE SE SEGUIRAM DA FALTA DE RÉDEAS DAS PERIGOSAS IDEIAS INDIVIDUALISTAS.[note]Ibid., no. 88.[/note]

E nessa mesma encíclica Pio XI diz que as propostas econômicas dos socialistas moderados de seus (1931) “sempre foram as que mais se aproximaram das justas demandas das reformas sociais cristãs”.[note]Ibid., no. 113.[/note]Então é obvio que a tradição dos ensinamentos papais desde Leão XIII não aceita a lógica do liberalismo econômico. Nossa questão é: A Centesimus Annus introduz um novo ensinamento aqui, seria isso (nas palavras de Craycraft) “o endorsar explícito do livre mercado como o ‘ sistema social vitorioso’ no mundo, e como o tipo de economia que deveria ser proposta em todos os lugares”? Eu penso que veremos que não.Em primeiro lugar, a Centesimus Annus sustenta a doutrina do salário justo ensinado por Leão XIII, Pio XI, Pio XII e outros papas:

... SOCIEDADE E ESTADO PRECISAM ASSEGURAR OS NÍVEIS SALARIAIS ADEQUADOS PARA A MANUTENÇÃO DO TRABALHADOR E SUA FAMÍLIA, INCLUINDO UM CERTO MONTANTE PARA POUPANÇA”.[note]CA, no. 15.[/note]

Isso é em sim mesmo uma clara rejeição dos princípios do livre mercado e efetivamente deveria findar o argumento. Mas a Centesimus tem muito mais a dizer sobre o mercado. De fato, ela devota mais espaço à discussão dos mecanismos do mercado do que qualquer encíclica anterior. Ela vê o mercado essencialmente se auto regulando ou como alguma coisa que necessita ser sujeitado ao controle inteligente, um controle que vai além das forças do mercado? Olhando uma série de citações da encíclica, nós estaremos habilitados a responder essa questão.Depois de discutir uma sociedade justa João Paulo II pontua:

TAL SOCIEDADE NÃO É DIRIGIDA CONTRA O MERCADO, MAS DEMANDA QUE O MERCADO SEJA APROPRIADAMENTE CONTROLADO PELAS FORÇAS DA SOCIEDADE E PELO ESTADO, ENTÃO PODERÁ GARANTIR QUE AS NECESSIDADES BÁSICAS DE TODA A SOCIEDADE SEJAM SATISFEITAS.[note]Ibid., no. 35.[/note]

Então um pouco depois, o Santo Padre escreve:

É TAREFA DO ESTADO PROVER A DEFESA E PRESERVAÇÃO DOS BENS COMUNS TAIS COMO OS AMBIENTES NATURAIS E HUMANOS, QUE NÃO PODEM SER SALVAGUARDADOS SIMPLESMENTE PELAS FORÇAS DE MERCADO.[note]Ibid., no. 40.[/note]

E na mesma seção:

AQUI NÓS ENCONTRAMOS UM NOVO LIMITE AO MERCADO: HÁ NECESSIDADES QUALITATIVAS E COLETIVAS QUE NÃO PODE SER SATISFEITAS PELOS MECANISMOS DO MERCADO. HÁ NECESSIDADES HUMANAS IMPORTANTES QUE ESCAPAM A SUA LÓGICA. HÁ BENS QUE PELO SEU VALOR MUITO NATURAL NÃO PODEM E NÃO PRECISAM SER COMPRADOS E VENDIDOS. CERTAMENTE OS MECANISMOS DE MERCADO OFERECEM SEGURAS VANTAGENS…. CONTUDO, ESTES MECANISMOS CARREGAM O RISCO DE UMA “IDOLATRIA” DO MERCADO, UMA IDOLATRIA QUE IGNORA A EXISTÊNCIA DE BENS QUE PELA SUA NATUREZA NÃO SÃO E NÃO PODEM SER MERAS MERCADORIAS.[note]Ibid.[/note]

Eu penso que essas três citações deixam muito claro que João Paulo não aceita a premissa básica ou a lógica do livre mercado, nomeadamente, que o mercado é essencialmente um sistema autorrelgulado que não necessita de intervenção humana para corrigir seus resultados. ao contrário, ele é muito claro que o mercado necessita ser controlado, que o mercado não pode gozar de tamanha confiança para salvaguardar certos bens necessários.Nosso próximo olhar em uma das mais importantes passagens na encíclica, e um punhado de passagens que aqueles que interpretam a Centesimus como um apoio ao livre mercado usam:

VOLTANDO AGORA À QUESTÃO INICIAL, PODE-SE PORVENTURA DIZER QUE, APÓS A FALÊNCIA DO COMUNISMO, O SISTEMA SOCIAL VENCEDOR É O CAPITALISMO E QUE PARA ELE SE DEVEM ENCAMINHAR OS ESFORÇOS DOS PAÍSES QUE PROCURAM RECONSTRUIR AS SUAS ECONOMIAS E A SUA SOCIEDADE? É, PORVENTURA, ESTE O MODELO QUE SE DEVE PROPOR AOS PAÍSES DO TERCEIRO MUNDO, QUE PROCURAM A ESTRADA DO VERDADEIRO PROGRESSO ECONÓMICO E CIVIL?

A RESPOSTA APRESENTA-SE OBVIAMENTE COMPLEXA. SE POR «CAPITALISMO» SE INDICA UM SISTEMA ECONÔMICO QUE RECONHECE O PAPEL FUNDAMENTAL E POSITIVO DA EMPRESA, DO MERCADO, DA PROPRIEDADE PRIVADA E DA CONSEQUENTE RESPONSABILIDADE PELOS MEIOS DE PRODUÇÃO, DA LIVRE CRIATIVIDADE HUMANA NO SECTOR DA ECONOMIA, A RESPOSTA É CERTAMENTE POSITIVA, EMBORA TALVEZ FOSSE MAIS APROPRIADO FALAR DE «ECONOMIA DE EMPRESA», OU DE «ECONOMIA DE MERCADO», OU SIMPLESMENTE DE «ECONOMIA LIVRE». MAS SE POR «CAPITALISMO» SE ENTENDE UM SISTEMA ONDE A LIBERDADE NO SECTOR DA ECONOMIA NÃO ESTÁ ENQUADRADA NUM SÓLIDO CONTEXTO JURÍDICO QUE A COLOQUE AO SERVIÇO DA LIBERDADE HUMANA INTEGRAL E A CONSIDERE COMO UMA PARTICULAR DIMENSÃO DESTA LIBERDADE, CUJO CENTRO SEJA ÉTICO E RELIGIOSO, ENTÃO A RESPOSTA É SEM DÚVIDA NEGATIVA.[note]Ibid., no. 42.[/note]

O que eu penso que deveria ser notado sobre essa passagem é que independente do NOME dado a esse sistema social, mesmo assim não é o nome, mas o conteúdo que é importante, e aqui novamente o papa clama por “forte enquadramento jurídico” que é, um marco legal, para orientar a economia diante do total de bens da humanidade. Assim, essa passagem não pode ser vista com uma aprovação do liberalismo econômico, e é um apoio do "capitalismo" APENAS SE ALGUÉM PRESTAR BASTANTE ATENÇÃO AO QUE O PAPA QUIS DIZER POR ESSE TERMO. Mais ainda, no próximo e imediato parágrafo, João Paulo II, ao comentar as “multidões ... ainda vivendo em condições de grande pobreza moral e material,” diz:

... EXISTE UM RISCO DE SE ESPALHAR UMA IDEOLOGIA CAPITALISTA RADICAL QUE SE RECUSA ATÉ MESMO A CONSIDERAR ESSES PROBLEMAS, NA CRENÇA APRIORÍSTICA DE QUE TODA TENTATIVA DE RESOLVE-LA ESTÁ FADADA AO FRACASSO, E QUE CEGAMENTE CONFIA NAS FORÇAS DO MERCADO PARA RESOLVÊ-LAS.[note]Ibid., no. 42.[/note]

João Paulo II também inclui na Centesimus comentários sobre as economias capitalistas atualmente existentes no ocidente. Estes comentários são de grande importância para nossos esforços em entender o ensinamento da encíclica sobre o livre mercado.

OS PAÍSES OCIDENTAIS ... CORREM OS RISCO DE VER [O COLAPSO DO COMUNISMO] COMO UMA VITÓRIA UNILATERAL DE SEU PRÓPRIO SISTEMA ECONÔMICO, E ASSIM FALHANDO EM FAZER AS CORREÇÕES NECESSÁRIAS NESSE SISTEMA,[note]Ibid., no. 56.[/note]

E nessa discussão de várias respostas das nações ocidentais após a Segunda Guerra Mundial e os comunismo, o santo padre escreve,

OUTRA FORMA DE RESPOSTA PRÁTICA, ENFIM, ESTÁ REPRESENTADA PELA SOCIEDADE DO BEM-ESTAR, OU SOCIEDADE DO CONSUMO. ELA TENDE A DERROTAR O MARXISMO NO TERRENO DE UM PURO MATERIALISMO, MOSTRANDO COMO UMA SOCIEDADE DE LIVRE MERCADO PODE CONSEGUIR UMA SATISFAÇÃO MAIS PLENA DAS NECESSIDADES MATERIAIS HUMANAS QUE A DEFENDIDA PELO COMUNISMO, E EXCLUINDO IGUALMENTE OS VALORES ESPIRITUAIS. NA VERDADE, SE POR UM LADO É CERTO QUE ESTE MODELO SOCIAL MOSTRA A FALÊNCIA DO MARXISMO AO CONSTRUIR UMA SOCIEDADE NOVA E MELHOR, POR OUTRO LADO, NEGANDO A EXISTÊNCIA AUTÓNOMA E O VALOR DA MORAL, DO DIREITO, DA CULTURA E DA RELIGIÃO, COINCIDE COM ELE NA TOTAL REDUÇÃO DO HOMEM À ESFERA DO ECONÓMICO E DA SATISFAÇÃO DAS NECESSIDADES MATERIAIS.[note]Ibid., no. 19.[/note]

Isto é o que João Paulo II pensa da operação da nossa economia na prática! (N.do.T.: Refere-se a economia dos Estados Unidos da América)De forma a ser justa com a Centesimus e com meus leitores, eu irei discutir agora as principais passagens na encíclica que alguns tem sustentado constituir um abraço do livre mercado pela Igreja. Nós já vimos uma dessas passagens. Vamos examinar brevemente os princípios restantes e ver até que ponto eles exigem ou permitem tal interpretação:

TANTO A NÍVEL DA CADA NAÇÃO, COMO NO DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS, O LIVRE MERCADO PARECE SER O INSTRUMENTO MAIS EFICAZ PARA DINAMIZAR OS RECURSOS E CORRESPONDER EFICAZMENTE ÀS NECESSIDADES. ISTO, CONTUDO, VALE APENAS PARA AS NECESSIDADES «SOLVÍVEIS», QUE GOZAM DA POSSIBILIDADE DE AQUISIÇÃO, E PARA OS RECURSOS QUE SÃO «COMERCIALIZAVÉIS», ISTO É, CAPAZES DE OBTER UM PREÇO ADEQUADO. MAS EXISTEM NUMEROSAS CARÊNCIAS HUMANAS, SEM ACESSO AO MERCADO. É ESTRITO DEVER DE JUSTIÇA E VERDADE IMPEDIR QUE AS NECESSIDADES HUMANAS FUNDAMENTAIS PERMANEÇAM INSATISFEITAS E QUE PEREÇAM OS HOMENS POR ELAS OPRIMIDOS.[note]Ibid., no. 34.[/note]

Pode-se ver que o que parece ser uma aceitação incondicional do livre mercado é imediatamente qualificada e limitada.A próxima passagem nós voltaremos nossas atenções ao seguinte trecho: Os negócios nas economias modernas tem aspectos positivos. Ele se baseia na liberdade humana exercitada no campo econômico, assim como é exercitada na maioria dos outros campos”.[note]Ibid., no. 32.[/note] Alguns negariam estas palavras do Sumo Pontífice, mas elas são quase revolucionárias no contexto da DSI. Os negócios feitos nas economias modernas tem aspectos positivos, mas dizer isso dificilmente constitui um abraço da economia de livre mercado.Um pouco mais tarde, depois de uma discussão sobre ataques contra a vida familiar e sobre as crianças, João Paulo diz:

ESTAS CRÍTICAS, SÃO DIRIGIDAS NÃO TANTO CONTRA UM SISTEMA ECONÓMICO, QUANTO CONTRA UM SISTEMA ÉTICO-CULTURAL. DE FACTO, A ECONOMIA É APENAS UM ASPECTO E UMA DIMENSÃO DA COMPLEXA ACTIVIDADE HUMANA. SE ELA FOR ABSOLUTIZADA, SE A PRODUÇÃO E O CONSUMO DAS COISAS ACABAR POR OCUPAR O CENTRO DA VIDA SOCIAL, TORNANDO-SE O ÚNICO VALOR VERDADEIRO DA SOCIEDADE, NÃO SUBORDINADO A NENHUM OUTRO, A CAUSA TERÁ DE SER PROCURADA NÃO TANTO NO PRÓPRIO SISTEMA ECONÓMICO, QUANTO NO FACTO DE QUE TODO O SISTEMA SOCIO-CULTURAL, IGNORANDO A DIMENSÃO ÉTICA E RELIGIOSA, FICOU DEBILITADO, LIMITANDO-SE APENAS À PRODUÇÃO DOS BENS E DOS SERVIÇOS.[note]Ibid., no. 39.[/note]

E um pouco depois ele pontua:

A IGREJA RESPEITA A LEGÍTIMA AUTONOMIA DA ORDEM DEMOCRÁTICA…. ESTAS CONSIDERAÇÕES GERAIS REFLECTEM-SE TAMBÉM NO PAPEL DO ESTADO NO SECTOR DA ECONOMIA. A ACTIVIDADE ECONÓMICA, EM PARTICULAR A DA ECONOMIA DE MERCADO, NÃO SE PODE REALIZAR NUM VAZIO INSTITUCIONAL, JURÍDICO E POLÍTICO. PELO CONTRÁRIO, SUPÕE SEGURANÇA NO REFERENTE ÀS GARANTIAS DA LIBERDADE INDIVIDUAL E DA PROPRIEDADE, ALÉM DE UMA MOEDA ESTÁVEL E SERVIÇOS PÚBLICOS EFICIENTES. A PRINCIPAL TAREFA DO ESTADO É, PORTANTO, A DE GARANTIR ESTA SEGURANÇA, DE MODO QUE QUEM TRABALHA E PRODUZ POSSA GOZAR DOS FRUTOS DO PRÓPRIO TRABALHO E, CONSEQUENTEMENTE, SE SINTA ESTIMULADO A CUMPRI-LO COM EFICIÊNCIA E HONESTIDADE.[note]Ibid., nos. 47-48.[/note]

Estas duas últimas passagens são provavelmente as mais difíceis de harmonizar de maneira inteiramente satisfatória com a mensagem predominate da Centesimus. Mas como eu disse previamente, nós precisamos tomar a encíclica como um todo, olhando seu ensinamento geral e não empurrando ou forçando demais uma parte em específico, especialmente se isso parece contradizer outras partes da encíclica ou doutrinas papais prévias.Umas das mais importantes, porém ainda mais difícil de entender nos temas da Centesimus Annus é o conceito de liberdade. Para nós, americanos, liberdade é normalmente entendido como ausência de coerção, deixar todos fazerem o que bem quiserem com suas vidas e propriedades. Mas isso não é o que João Paulo II quer dizer por liberdade. Na Centesimus ele escreve: “… liberdade está ligada ao seu pleno desenvolvimento apenas pela aceitação da verdade” (no. 46). Ao contrário da noção de liberdade como sendo habilitação para fazer o que bem lhe der na telha, (N.do.T.: usei essa expressão para dar a ênfase necessária ao trecho).João Paulo II constantemente liga a liberdade com a verdade. Ele diz que a liberdade religiosa é “o direito de viver na verdade de uma fé e em conformidade com uma dignidade transcendente como uma pessoa”.[note]Ibid., no. 47.[/note] No longo trecho que eu já citei sobre se o capitalismo deveria ser considerado como o sistema social vitorioso,[note]Ibid., no. 42.[/note] o Santo Padre diz que “liberdade no setor econômico precisa ser circunscrita dentro de um forte enquadramento jurídico que coloque a economia a serviço do da liberdade humana na sua totalidade…” Eu penso que esse difícil conceito no pensamento João Paulo II precisa ser entendido como significado que independente de tempo, qualquer coisa externa a pessoa humana, sejam forças econômicas, regimes políticos totalitários, ou nada do gênero, distorce o homem, a liberdade do homem logo é distorcida. Isso não é assim porque o homem não pode fazer tudo aquilo que quer, mas porque sua natureza humana é atacada por sua liberdade naturalmente limitada. Mas “liberdade humana em sua totalidade” não é limitada pela intervenção do governo nos processos de mercado, mais do que em qualquer liberdade para dirigir é limitada pela placa de "Pare" e o semáforo.Um outro ponto que eu penso deveria sempre ser mantido em mente, é que a vída (do pontífice) na Polônia Comunista é o fundo constante da encíclica. João Paulo II alude mais de uma vez a quebra da responsabilidade, da ética do trabalho e da confiança pública mais básica que o comunismo causou, e então no chamado para a criação dessas realidades e criticando economias comunistas, ele não está clamando por livre-mercado como nós entendemos nos Estados Unidos, mas reagindo contra a pesada mão do planejamento central e da burocracia.João Paulo claramente condena a ordem comunista, o que ele chama de “socialismo real” Mas em contraste a isso, que tipo de ordem economica estaria a Igreja promovendo? Estaria a Igreja promovendo algum sistamea econômico? A seguinte citação pode ser relevante aqui:

A IGREJA NÃO TEM MODELOS A PROPOR. OS MODELOS REAIS E EFICAZES PODERÃO NASCER APENAS NO QUADRO DAS DIVERSAS SITUAÇÕES HISTÓRICAS, GRAÇAS AO ESFORÇO DOS RESPONSÁVEIS QUE ENFRENTAM OS PROBLEMAS CONCRETOS EM TODOS OS SEUS ASPECTOS SOCIAIS, ECONÓMICOS, POLÍTICOS E CULTURAIS QUE SE ENTRELAÇAM MUTUAMENT. A ESSE EMPENHAMENTO, A IGREJA OFERECE, COMO ORIENTAÇÃO IDEAL INDISPENSÁVEL, A PRÓPRIA DOUTRINA SOCIAL QUE — COMO SE DISSE — RECONHECE O VALOR POSITIVO DO MERCADO E DA EMPRESA, MAS INDICA AO MESMO TEMPO A NECESSIDADE DE QUE ESTES SEJAM ORIENTADOS PARA O BEM COMUM.[note]Ibid., no. 43.[/note]

Esta é uma interessante passagem. Alguns, olhando-a, apenas pelo começo da sentença, tem apontado que a Igreja está basicamente dizendo que o capitalismo é a única coisa que sobrou:

... COM A CENTESIMUS ANNUS, A DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA ABANDONOU QUALQUER PROPOSTA POR UMA TERCEIRA ALTERNATIVA ENTRE OU ALÉM DE CAPITALISMO E SOCIALISMO.

Mas eu não penso que é isso o que a Centesimus Annus está dizendo aqui. Ao contrário ela está reagindo aos esforços de alguns católicos desde os anos 30, e até antes, seguindo a encíclica de Pio XI, Quadragesimo Anno, pra esboçar no papel ao invés de grandiosos modelos a priori uma terceira alternativa economica que não seriam nem capitalistas e nem socialistas. O que João Paulo II está dizendo é, de fato o que Pio XI mesmo já estava dizendo, que este é um caminho errado para proceder. Modelos não podem ser criados a priori, eles precisam surgir “desntro de um enquadramento de diferentes situações históricas” Após tudo, na Idade Média, nenhum filósofo ou teologo sentou-se pra esboçar um sistema econômico baseado em guildas. Essa quintessencial abordagem Católica da economia nasceu da luta das pessoas pra aplicar os princípios da moral Católica a situação econômica real de seus tempos.Relevante a isso também é uma seguinte passagem negligenciada na Centesimus, que faz claro o que João Paulo não decidiu que a opção capitalista é tudo o que sobrou: “Nós temos visto que é inaceitável dizer que a derrota do assim chamado "Socialismo Real" deixa o capitalismo como o único modelo de organização econômica”.[note]Ibid., no. 35.[/note] De fato, se algum sistema econômico existente recebe louvores na Centesimus Annus, é a "economia social de mercado" da Alemanha Ocidental.Deste modo eu penso que, tomada como um todo, as numerosas qualificações colocadas no funcionamento do mercado por João Paulo II na Centesimus indicam claramente que ele não aceita totalmente a lógica do livre mercado. Na encíclica João Paulo II tentou dar um guia ao reinante capitalismo de nosso tempo, tanto quanto Pio XI procurou fazer uma amigável crítica e dar um aviso a economia Fascista italiana na Quadragesimo Anno. A DSI de fato é adaptada a cada época, mas é adaptada de um núcleo fixo de princípios; princípios que, porque foram tirados da natureza do homem e da sociedade, não são alteráveis. As mais diferentes fundamentações filosóficas que delineiam a economia de livre mercado e a DSI necessariamente opõem o abraço tardio desta última. Então, sendo o que for que o futuro guarde pra nossa sociedade, os ensinamentos papais na economia continuarão a fluir dos mesmos princípios básicos como animaram Leão XIII, Pio XI e João Paulo II, até o fim dos tempos, quando no retorno de nosso Senhor como nosso Juíz e Salvador.

Thomas Storck

Thomas Storck is the author of Foundations of a Catholic Political OrderThe Catholic Milieu, and Christendom and the West. His recent book is An Economics of Justice & Charity. Mr. Storck serves on the editorial board of The Chesterton Review and he is a contributing editor of The Distributist Review. An archive of his work may be found at thomasstorck.org.

http://thomasstorck.org
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